Eucaristia cotidiana e vida sacerdotal
O sacerdócio ministerial não é um simples serviço prestado, por mais generoso e sincero que seja. O sacerdote não é um funcionário de uma instituição, mas servidor da Igreja. Celebra porque sabe da importância da Eucaristia. Celebra a Eucaristia e dela vive porque experimenta a sua força na própria vida e ministério. Por isso, celebra cotidianamente como graça, como dom sublime, e não apenas como serviço pastoral.
Para que a vida toda seja sacerdotal, é fundamental que o sacerdócio tenha a sua fonte no altar, de tal modo que a liturgia seja a fonte e o ápice da própria vida e missão. Por isso, não há férias no âmbito da oração e da celebração eucarística; ao contrário, em férias, há mais tempo para dedicar-se a oração, a escuta da Palavra, a adoração e a celebração eucarística.
Além das férias, o repouso semanal também é necessário, porém ele se refere a atividades pastorais habituais e não à vida espiritual. Para tanto, é importante programar o dia de repouso de atividades pastorais cotidianas ou tempo de férias, não se esquecendo da importância da celebração eucarística para si e para a comunidade. Não se pode estabelecer “segunda sem eucaristia” ou “segunda sem oração”. Não se deixa de ser sacerdote ou de ser cristão em dia de descanso, de viagem ou em período de férias. Recordemos que não há verdadeiro repouso sem Deus, conforme rezamos cotidianamente na Liturgia das Horas, com o Salmo 94. Ao contrário, o pecado ou a negligência na vida espiritual provocam danos de cunho psicológico e espiritual, enfraquecem e levam a perda de sentido.
Quem não se alimenta, acaba anêmico e enfraquecido. Quem não se alimenta espiritualmente, torna- se fragilizado, perdendo o sentido e a força para caminhar. Quem se alimenta da oração, da Palavra e da Eucaristia, vai sendo transformado no homem novo, homem espiritual, rumo à plenitude, deixando para trás o homem velho, o homem carnal. Quem se alimenta de uma vida mundana, isto é, de alimento estragado, vai se tornando espiritualmente fraco e enfermo, incapaz de enfrentar os desafios e tentações. Em nosso tempo, difunde-se a tendência em sobrevalorizar as academias de malhação do corpo, em detrimento dos exercícios espirituais. É justo cuidar da saúde, mas é lamentável deixar-se levar pela ditadura da beleza corporal, que tem trazido frustração para muita gente, muitos dos quais adolescentes e jovens em busca de um corpo idealizado por meios de comunicação.
A capela do Santíssimo é a academia em que nos exercitamos diariamente para seguir adiante com maior vigor humano, cristão e sacerdotal. Ninguém se acomode ao pecado, ninguém adote um estilo de vida mundano, que além de destruir e fragilizar o sacerdote pode destruir a comunidade. Vida dupla faz mal psicologicamente e espiritualmente e, mais cedo ou mais tarde, escandaliza as pessoas e fere a Igreja. Estamos numa época em que se está perdendo o pudor, que o nosso povo costuma chamar de “vergonha na cara”, que é próprio do ser humano. Quem é gente, quem é cristão, é capaz de sentir pudor.
Lamentavelmente os graves casos de corrupção no Brasil acabam levando as pessoas a acharem que “pequenos” atos de corrupção, de infidelidade e de desonestidade, no dia a dia, nada significam moralmente. A referência para o nosso agir moral não são os políticos corruptos, mas os santos que marcam o ontem e o hoje da Igreja.
Além disso, há atitudes que não representam propriamente pecados, mas que não são convenientes para um sacerdote. Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 8,1-13), falando a respeito das carnes sacrificadas aos ídolos, declara que jamais comeria carne se isso fosse motivo de escândalo para a comunidade. Não se pode ser mais ou menos cristão. Somos chamados a ser cristãos e sacerdotes por inteiro, o tempo todo. A mediocridade impede a experiência da vida nova que traz alegria, do prazer que perdura, ao invés do prazer efêmero que não preenche, mas aprofunda o vazio existencial.
Entretanto, temos muitos motivos para louvar a Deus por tantos cristãos e, de
modo especial, por tantos sacerdotes que estão buscando a santidade. Por isso, quero reafirmar a minha sincera gratidão e admiração pelos esforços que são feitos, a cada dia, por tantos sacerdotes. Obrigado por se padre e pelo seu esforço em ser padre por inteiro. Obrigado, pelo seu generoso empenho em seguir adiante, com os olhos fixos em Jesus, confiando sempre na graça de Deus.
Dom Sergio da Rocha
Cardeal Arcebispo de Brasília.