Trecho do Antigo Testamento datado do século I d.C e encontrado no Mar Morto mostra que texto religioso tem 800 anos a mais do que se imaginava.
Nos sombrios depósitos de um arquivo israelense, há quase meio século estava esquecido um milenar pergaminho carbonizado. Encontrado dentro de uma arca sagrada no templo de En-Gedi, na região do Mar Morto, ele havia sido queimado durante um incêndio num passado distante e, por isso, estava impossibilitado de ser aberto ou lido, pois se desmancharia ao mero toque.
Em setembro, foi publicada no periódico científico Science Advances uma pesquisa que, finalmente, possibilitou que a escritura fosse decifrada com a ajuda da moderna tecnologia, revelando um segredo bíblico há muito escondido, comparável em significado histórico ao dos Manuscritos do Mar Morto.
O estudo foi feito por uma equipe de arqueólogos de Israel e dos Estados Unidos, com o apoio do financiamento de um empresário brasileiro (leia quadro). “Estou maravilhado que tenhamos conseguido fazer a leitura, pois foi extremamente difícil”, disse à ISTOÉ Brent Seales, da Universidade de Kentucky, um dos autores do trabalho. “O pergaminho se revelou muito importante, mas só soubemos disso depois da descoberta.”
O poder da tecnologia
Encontrada em 1970, a escritura tem idade controversa, mas a maioria dos especialistas considera que data do século 1 d.C. Como estava ilegível, foi deixada em uma prateleira ao lado de centenas de outros materiais. Recentemente, pesquisadores israelenses começaram a escanear documentos milenares danificados, e um dos estudiosos foi à Autoridade de Antiguidades do País para pedir que o pergaminho fosse incluído entre os objetos a ser analisados. Porém, foi nos EUA que a cópia digital pôde ser decifrada por meio de técnicas computacionais desenvolvidas por Seales.
Os arqueólogos, então, descobriram que se tratava de um trecho do Levítico, livro do Antigo Testamento que descreve sacrifícios rituais de Moisés. O mais impressionante era a forma como havia sido redigido, fiel a outros textos de muitos séculos depois. Os Manuscritos do Mar Morto, as passagens bíblicas mais antigas já encontradas (século 3 a.C), possuem redação bem diferente da de hoje. Ou seja, a descoberta mostrou que a Bíblia como a conhecemos possui pelo menos 2 mil anos, 800 a mais do que anteriormente constatado. “O pergaminho de En-Gedi é uma prova preliminar de que o texto possui raízes muito antigas”, afirma Emanuel Tov, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que participou do trabalho. Daqui para frente, as novidades tecnológicas usadas para desvendar o Levítico poderão ajudar a ler outras escrituras famosas, como partes ilegíveis dos Manuscritos do Mar Morto e documentos da cidade de Pompéia. Para os arqueólogos, as boas notícias estão apenas começando.
AJUDA BRASILEIRA
A leitura do pergaminho de En-Gedi foi feita com o financiamento de um empresário brasileiro. Então diretor do Instituto Cultural do Google, Victor Ribeiro foi apresentado ao trabalho em 2014. Mas o projeto, desenvolvido na Universidade de Kentucky pelo pesquisador Brent Seales, ainda precisava de dinheiro para avançar. Ribeiro, então, dedicou parte do orçamento do instituto para suprir as necessidades do estudioso. Dois anos depois, os resultados apareceram. “Achei incrível”, diz o brasileiro. “Conseguimos decifrar documentos de milhares de anos pela primeira vez.”